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Title: Políticas de salvaguarda do centro histórico de Mértola: contributos para a construção de um modelo operatório para a sua gestão
Authors: Mateus, Rui Jorge da Silva Pereira
Advisors: Jorge, Virgolino Ferreira
Keywords: Património arquitectónico
Conservação do Património Arquitectónico
Conservação
Mértola, Beja (Portugal)
Issue Date: 2004
Publisher: Universidade de Évora
Abstract: “Sem resumo feito pelo autor” - «A cidade é muito mais uma obra de civilização do que um produto de ajustamentos ao ambiente» Orlando Ribeiro - Se é verdade que a cidade nasceu incrustada na terra-mãe, o facto é que ela não cresce naturalmente como uma planta – ela tem parcelas invisíveis, para lá dos caules e das folhas que a pontuam. Ela tem pedaços de memória, rumor de gestos, marcas de um tempo longo nas histórias que dela se contam. Ela também não percorre o espaço que a rodeia em busca de alimento, como qualquer cria em busca de crescer, de tomar força. Não, com ela, o alimento de que necessita chega-lhe como que atraído pela força irresistível que exerce sobre o território que a rodeia. Adapta a sua forma ao terreno que lhe serve de berço, mas, por parecidos que estes substratos possam ser, ela nunca resultará numa forma-padrão. Cada localidade é um retrato distinto, com detalhes que impedem que se perca num anonimato confuso. Ela vive, com o sítio, em comunhão, e se um deles desrespeitar este acordo, morre. Normalmente, não é isto que sucede. Ela vai-se retocando, fazendo-se bela, escondendo rugas velhas em novas epidermes. Assim constrói a sua feição, o seu olhar, e assim nós nos vamos entranhando nela e conhecendo os seus gestos, dos menores aos eternos. Como nos recorda Françoise Choay, "é preciso comprometermo-nos na sua profundidade, não recearmos perder-nos aí, seguir as voltas e os desvios. 0 sentido do percurso aparecerá com a descoberta da sua saída, garantia de achados que permitirão prosseguir a edificação ao mesmo tempo do labirinto e de nós próprios" . Hoje, a esses lugares onde podemos vislumbrar o tempo dos homens que passou, chamamos a cidade histórica. Esta entidade, apesar de corresponder a lugares concretos, com expressão material, tem variantes na forma de definir o conceito. Nada que seja de admirar, dado que se trata de um lugar que tem cultura, e esta é difícil de fechar em gavetas estanques. Para Georges Duby, "a cidade não se caracteriza nem pelo número, nem pelas actividades dos homens que nela residem, mas pelos aspectos particulares do estatuto jurídico, da sociabilidade e da cultura. Estes aspectos derivam do papel primordial que o órgão urbano preenche. Esse papel não é económico. E político. A cidade distingue-se do meio que a rodeia por ser, na paisagem, o ponto de enraizamento do poder". Nesta dissertação o enfoque é outro. Interessa-nos mais o que é a cidade histórica na perspectiva do seu testemunho enquanto local onde a história se construiu, e que a foi construindo. As estruturas habitacionais foram sempre a expressão das formas de viver, e das possibilidades de viver. Elas exprimem a época, a classe social, a riqueza ou a falta dela, a mentalidade e a força colectiva na construção dos seus maiores símbolos. E o que é também importante, aqueles que a vão usando ao longo de séculos vão fazendo também dela novos usos, novas referências, e vão mostrando a sua evolução, alterando os seus códigos e o modo de a compreender. É esta cidade que é preciso conhecer, é esta cidade que é urgente reabilitara. De qualquer modo, durante largos séculos, essas transformações foram feitas de forma tão lenta que nunca se poderia dar pela transformação no tempo da vida humana, salvo um detalhe aqui, um novo edifício acolá. Foi porque subitamente a cidade se modificou, que de tal modo se ampliou explosivamente, que a cidade antiga passou a centro histórico. Auzelle escreveu que "a cidade industrial, depois de ter destruído quase todas as referências aos ciclos das estações e ao correr das horas, começa a destruir, por excesso de densidade, o sentimento da duração humana. E aí, na nossa vida quotidiana, onde a História se dissolve, bem como se desfia, entre os vizinhos do burgo, o tecido dos nascimentos e das mortes", que faz sentido a existência humana. Por isso, a salvaguarda da cidade histórica é essencial para que não se perca o espírito de verdadeira humanidade. No filme "Duets" de John Paltrow, um dos personagens comenta para outro, ao entrar no vestíbulo de um hotel de uma cadeia internacional: "Repara neste lugar! Podíamos estar em qualquer sítio!". Como eles, podemos correr o risco de nos acharmos, um dia, perdidos em espaços sem identidade, sem marcas características. Sem história. A cidade precisa de resguardar, portanto, a essência da sua vivência humana. Esta passa por a cidade continuar a ser, enquanto entidade, apreensível por aqueles que nela residem. Polulam já o mundo as megalópolis, em que a cidade, para cada um dos seus enclausurados habitantes, é meramente o bairro, senão uma parcela do bairro. Cidades com avenidas medidas em quilómetros contínuos. A extensão diminui a possibilidade de conhecer, de partilhar, e modifica-se a vivência, esmagada num tempo demasiado impessoal, sem carácter. A cidade deixa assim de ser um local de trocas espirituais. Daí que se encontre, cada vez mais, nas estratégias da animação sociocultural, a inserção dos conteúdos do passado, de certa forma como uma extensão da matriz predominante, nesta era do paradigma multicultural, da «cultura do outro»: o avô da aldeia perdida algures, as «histórias da terra», os modos de vida dos antigos modelos de produção, são tão estranhas à maior parte como se fossem oriundas de outros continentes. A aceleração progressiva do tempo, comprimido aos centésimos de segundo que se tornaram relevantes, torna estranho o relógio do campanário secular onde só se assinalava a passagem da hora. O passado e os seus inúmeros patrimónios podem tornar-se num outro continente, desprendidos da vida actual, se nada se fizer, entre outras coisas, para interligar, de forma estruturante, a cidade histórica e a nova. A exigência está, claro, no domínio das políticas culturais, e no tratamento dado à herança que recebemos. O que é vital é abandonar-se, em larga medida, o modelo que tem vindo a ser seguido, principalmente a nível institucional (central e autárquico) em que os diferentes domínios são tratados como estanques entre si. É evidente que o passado e o presente precisam de especificidades de gestão claramente distintas. Mas não podem, numa perspectiva sociocultural, ser desligados. As políticas culturais devem, inevitavelmente, estar preocupadas com o passado. Apesar de tudo, os recursos culturais de um país podem estender-se, recuando na sua génese, por centenas de anos, e a actividade cultural contemporânea é, em muito, marcada por aquilo que a precedeu. A herança de casas rurais ou património industrial, as colecções dos museus e o trabalho dos criativos do passado, a par do meio ambiente e da sua gestão, continuam a definir a paisagem mental da população, bem como a dos criativos actuais, grupo onde se congregam, entre outros, os urbanistas, os arquitectos, os especialistas do património. Esse passado exerce uma influência profunda naquilo que é feito hoje, uma vez que tudo é sempre executado em relação ao que foi feito antes. Mas existe sempre o perigo de não se reconhecer a importância actual que foi sendo acrescentada aos recursos patrimoniais, e que a sua natureza permanece contingente e discutível. O que é que uma mansão construída para um aristocrata e depois usada por departamentos do Estado realmente significa no contexto histórico? O que é que a herança industrial material nos diz sobre as constantes lutas pelas condições de trabalho e a realidade política contemporânea? As políticas culturais devem evitar a excessiva esterilização do passado, empacotando-o de forma facilmente digerível pelos turistas, e devem permitir aos recursos patrimoniais que vivam e se exprimam no contexto contemporâneo. A cidade histórica pode, deve, ser um dos cenários onde estas expressões encontrem espaço de materialização, sedimentando essa fundamental relação.
URI: http://hdl.handle.net/10174/11865
Type: doctoralThesis
Appears in Collections:BIB - Formação Avançada - Teses de Doutoramento

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