Cartografia do método. As (geo)grafias dos diários gráficos de Álvaro Siza na construção da Malagueira

Abstract

O projecto do bairro da Malagueira (1977-) constitui um gesto inaugural no percurso do arquitecto Álvaro Siza Vieira, tanto pela escala da obra construída como pelo processo de trabalho e investigação que a alimentou. Embora tenha surgido na sequência do processo SAAL, extravasou o seu legado. Pela primeira vez, o arquitecto procedeu ao registo sistemático dos seus desejos, dúvidas e certezas em diários gráficos, socorrendo-se maioritariamente da linha do desenho. O objectivo principal consiste em mapear a génese do método conceptual do arquitecto numa fase inicial de desenvolvimento (77-78), tendo por base a análise do seu arquivo de diários gráficos (sketchbooks), que acompanharam o processo da Malagueira. Trata-se de visualizar o conhecimento contido nos desenhos, em complementaridade com outras fontes, porquanto foi o uso invariável do desenho que ensaiou e prefigurou as formas e os espaços. Perante a circunstância contemporânea, na qual o desenho analógico foi substituído pelo paradigma digital, refém da ditadura da imagem efémera e da representação superficial, este arquivo torna evidente a dimensão instrumental do desenho à mão livre e o seu esforço de um tempo lento, como ferramenta de análise, clarificação, com a potência de informar o projecto e intervenções futuras. De igual modo, lança as bases de um lugar intersticial, entre a mente, a mão pensante e a realidade, a teoria e a prática. A escrita e o desenho partilham a mesma matriz, na sua tentativa de questionar o mundo e produzir conhecimento. Este ensaio está circunscrito à selecção de dez cadernos, correspondentes a diferentes momentos de projecto, e procura cartografar, de forma sistematizada, as (geo)grafias íntimas que habitam esse arquivo de desenhos, fruto de uma vontade inteligente, ancorada na memória da história e numa fina leitura do lugar. À luz de uma análise rizomática, tecem-se vários mapas-síntese resultantes de um processo circular de interpretação, quantificação, qualificação e síntese - por um lado, registam-se variações do peso, expressão e movimento da linha na folha e, por outro, as imagens/raciocínios que essas coreografias convocam, ancoradas num corpus gráfico e teórico. Deste modo, a metodologia de análise assenta na análise cruzada do arquivo de desenhos, textos, fotografias, entrevistas de Álvaro Siza, e no confronto com uma paisagem e edificado em permanente transformação - desse processo interpretativo resultará um projecto final de curadoria, que visa identificar e revelar os hábitos e padrões históricos de pensamento do arquitecto, cuja singularidade não obsta a transposição para outras coordenadas geográficas ou temporais. Assim, a cartografia resultante intenta espacializar as epistemologias contidas do desenho, tendo em vista o seu potencial contributo para o ensino e práctica da arquitectura; - The cartography of the method. The (geo)graphies of Álvaro Siza’s sketchbooks regarding the construction of Malagueira. ABSTRACT: The Malagueira neighbourhood project (1977-) represents an inaugural gesture in the career of architect Álvaro Siza Vieira, due to the scale of the work built and the process of work and research that it entailed. Although it arose in the wake of the SAAL process, it went beyond its legacy. For the first time, the architect systematically recorded his desires, doubts and certainties in graphic diaries, mainly through drawings. The main objective is to map the genesis of the architect’s conceptual method at an early stage of development (77-78), based on an analysis of his archive of sketchbooks, which accompanied the Malagueira process. The aim is to further visualise the knowledge contained in the drawings because it was the invariable use of drawing that rehearsed and prefigured the forms and spaces. In the context of contemporary circumstances, in which analogue drawing has been superseded by digital technologies, which are subject to the limitations of ephemeral images and superficial representations, this archive makes evident the instrumental role of freehand drawing as a tool for analysis, clarification and informing the project and future interventions. Furthermore, it establishes the foundations for an interstitial space between the mind, the creative hand and reality, between theory and practice. Writing and drawing are two forms of expression that seek to understand and produce knowledge about the world around them. This essay is limited to a selection of ten notebooks, correspon- ding to different moments in the project, and seeks to map, in a systematic manner, the intimate geographies that inhabit this archive of drawings. These drawings are a product of a thoughtful process, firmly grounded in historical context and a keen understanding of the site. In light of a rhizomatic analysis, synthesis maps are constructed through a circular process of interpretation, quantification, qualification and synthesis. On the one hand, variations in the weight, expression and movement of the line on the sheet are recorded. On the other, the images/reasons that these choreographies evoke, anchored in a graphic and theoretical corpus, are also documented. This methodology is grounded in a process of cross-analysis that draws upon a diverse range of sources, including drawings, texts, photographs, interviews, and the confrontation with a landscape and built environment that are subject to ongoing transformation. This interpretative process is aimed at generating a final curatorial project that seeks to identify and reveal the distinctive patterns of thought and habits of mind of the architect in question, while also establishing their potential for transposition to other geographical and temporal contexts. Consequently, the resulting cartography seeks to spatialise the epistemologies inherent in the act of drawing, with a view to their potential contribution to the teaching and practice of architecture.