A mudança na cultura política : o fenómeno pós-materialista e os estudantes da Universidade de Évora

Abstract

Introdução - A concretização da presente dissertação de Mestrado em Sociologia, área de especialização Poder e Sistemas Políticos, vem culminar um processo de investigação que se vem desenvolvendo desde 1997. Concluída a componente lectiva deste Mestrado impôs-se a escolha de um tema para realização da respectiva dissertação. Apesar de, aparentemente, se configurar como uma tarefa simples, sendo a política uma temática apaixonante, atendendo à multiplicidade das suas facetas e à necessidade de uma abordagem científica que exige um campo de investigação consistente e bem demarcado, o processo revela-se mais complexo. A percepção da ocorrência de transformações significativas no domínio social e político nas sociedades modernas industrializadas, com alterações significativas nos valores, atitudes e comportamentos individuais, particularmente no campo político, decorrentes de um processo de mudança mais amplo – a denominada "pós-modernidade" – associado ao relativo desconhecimento pessoal destas questões, despertou a necessária curiosidade científica e a empatia para com a temática, estimulando o interesse e o envolvimento pela prossecução da investigação. Interviu ainda na opção do estudo da mudança na cultura política a verificação da existência de um número reduzido de investigações realizadas neste âmbito, especialmente tendo como objecto de estudo a população portuguesa. A abordagem das questões da mudança na cultura política e as variáveis que a caracterizam constituem, assim, o fundamento deste trabalho, debruçando-se o mesmo sobre a dimensão do espaço político no que respeita aos valores, atitudes, comportamentos e percepções dos indivíduos face ao sistema político de que são parte integrante. Este processo de mudança consubstancia-se no denominado fenómeno pós-materialista, sendo este o objecto último da pesquisa, em termos do seu impacto junto de uma amostra constituída por estudantes da Universidade de Évora. No momento que vivemos, à limitação moderna do espaço privado substitui-se uma nova vivência da cidadania que abre novos campos de interesse e intervenção política, participante do espaço público, franqueando-lhe as fronteiras. Assuntos tradicionalmente do domínio privado convertem-se em objecto de debate político, como o aborto ou os direitos dos homossexuais, enquanto, em paralelo, cresce o número de aderentes a modalidades não convencionais de intervenção dos cidadãos na esfera politica e, portanto, não apenas circunscrita ao momento eleitoral. O assalto do espaço público faz-se, ainda, levando para a arena politica novas questões de debate, que progressivamente são interiorizadas por discursos e programas políticos, tais como a energia nuclear, as questões ambientais, a protecção dos animais, entre outros. Inerente a este processo, parece ganhar consistência um novo quadro axiológico, traduzido na prioridade dada a valores sociais e políticos pós-materialistas e, por isso, privilegiando a participação politica e social, a estética e as liberdades cívicas, associando-se, assim, preponderantemente, às questões relativas à qualidade de vida; por oposição a um relativo afastamento no que respeita aos valores materialistas, identificados com a preferência tradicional pela ordem, pela lei, pela segurança, pelo crescimento e estabilidade económicos e, portanto, pelos aspectos mais economicistas da vida. Este processo de mudança cultural tem vindo a causar alterações significativas do comportamento político dos indivíduos, apontando-se mesmo para que esta nova dimensão axiológica represente uma substituição das configurações tradicionais da segmentação do comportamento político. Os partidos tradicionais e as correntes ideológicas associadas ao processo de industrialização têm vindo a perder significância como factor de identificação e de segmentação das atitudes e dos comportamentos políticos, surgindo em simultâneo, novos grupos e movimentos que adoptam como bandeira novos valores, os quais adquirem cada vez mais importância nas sociedades modernas: a ecologia, o ambiente, as minorias, etc... Os factores ideológicos e culturais tradicionais deixaram assim, pelo menos aparentemente, de se constituir como factores determinantes e exclusivos de diferenciação das propostas dos programas partidários. Cada vez mais as propostas político-partidárias se dirigem indiferenciadamente ao eleitorado, sem entrar em consideração com clivagens sócia-económicas, procurando alcançar uma adesão generalizada. As novas propostas político-partidárias, para além da convencional proposição de assegurar as condições de bem-estar e de satisfação das necessidades económicas e sociais, evidenciam cada vez de forma mais expressiva os valores da solidariedade, da liberdade, da participação, em suma, da qualidade de vida. Estes valores apresentam-se naturalmente articulados, porque decorrentes das mesmas necessidades e fundamentos, revelando-se, porém, ideologicamente descomprometidos, em detrimento da supremacia dos tradicionais objectivos economicistas e dos projectos ideologicamente justificados. Neste trabalho pretende-se, num primeiro plano, analisar as questões inerentes à problemática da cultura política e sua inserção neste contexto de mudança, socorrendo-nos para tal do contributo de um conjunto de autores consagrados nestas matérias. Este constitui o primeiro passo para que, posteriormente, se apresente urna análise crítica e actualizada do comportamento das variáveis da cultura política nas sociedades modernas industrializadas, procedendo-se, em simultâneo, à operacionalização de conceitos e tipologias. Esta última parte concretiza-se na abordagem empírica da implantação do fenómeno pós-materialista. Num primeiro ponto desta dissertação, apresenta-se o plano metodológico da investigação, que contempla a explicação pormenorizada dos objectivos e hipóteses de trabalho, a elucidação dos aspectos técnicos que presidiram à definição da amostra e à recolha da informação e ainda elementos sobre o tratamento e análise da informação recolhida.