Please use this identifier to cite or link to this item: http://hdl.handle.net/10174/11571

Title: Os limites da cidade
Authors: Abel, António Borges
Advisors: Pinto, Jorge Filipe Ganhão da Cruz
Keywords: Urbanismo
Planeamento urbano
Issue Date: 2008
Publisher: Universidade de Évora
Abstract: "Sem resumo feito pelo autor" - Quando a auto-imagem é a da desordem em diversas manifestações da vida, o próprio acha estranho (estranha-se a si próprio) que se proponha analisar e dar foro de tese precisamente ao seu oposto: a ordem, por antítese da desordem. Procurei, na memória mais distante, as razões para este aparente paradoxo e fui encontrá-las na infância, com afloramentos em ciclos coincidentes, naturalmente, com os ciclos da história do país que coincidem com a minha própria história. A vivência dos meus primeiros anos numa aldeia fronteira a Lisboa está na origem desta dicotomia e aparente contradição. Num país construído sobre as "certezas" que o regime impunha, aquela aldeia era o paradigma onde esse país se reflectia. Era um território bem definido em que o urbano "morria" no contacto com o rio/mar, a norte, e com o pinhal, nos restantes pontos cardeais. Isto é, à ordem do tecido urbano opunham-se, de um lado, o infinito do mar, e do outro, a "desordem" e os medos de uma mata densa. As deslocações periódicas que fazia pelo território, uma vez que eram feitas a pé, permitiram-me ter a percepção clara dos limites: onde acabava o urbano, o território pontuado por signos que o organizavam, o atravessamento da mata densa, em que o perto e o longe se fundiam numa única dimensão definida pelas sombras próximas, o grasnar dos corvos e o cheiro a resina. Depois da mata, o campo de caminhos poeirentos ladeados de searas douradas, cujo cheiro intenso, misturado com o ar quente, quase asfixiava, e o ruído ensurdecedor de milhares de cigarras, até que "entrava" novamente em território conhecido: o tecido urbano de outra aldeia. Lisboa, na margem norte do rio, apresentava as mesmas relações com o seu território: a sul, a cidade limitada pelo rio/mar e, tanto quanto nos era possível visualizar a partir da "nossa" praia, a norte limitada pelas mesmas searas amarelas que existiam nos "meus" campos. Comum a estas duas entidades urbanas, e por ele separadas, era o infinito do mar, a oeste. Ao passar a habitar Lisboa, fui encontrar o mesmo tipo de relações da cidade com o território de que já tinha percepção na minha aldeia, mas agora numa escala ampliada e, por isso, de mais difícil percepção e construção de um "mapa mental". Nas deslocações pela cidade, agora "mecanizadas", a percepção do limite urbano era dada pelo eléctrico que, ao entrar na "raquette" de retorno no Lumiar, anunciava o fim do território constituído por signos conhecidos. E, se no quintal dos meus primos começava o campo, divisando-se, para norte, até Loures, as mesmas searas, onde apenas uns "quadrados" verdes, bem lá no fundo do vale, perturbavam a "imensidão amarela", para nascente, no final da avenida que se iniciava na "raquette" dos eléctricos, o "caos" anunciava-se pela visualização da orla do eucaliptal que se estendia quase até à pista do aeroporto,' arvoredo onde não faltava o bucolismo campestre que lhe era emprestado por uma lagoa prenhe de girinos e pelas hortas que os urbanos das redondezas trabalhavam. À cidade compacta, una, densa, seguiu-se a "linha" do Estoril e o sentir da "externalidade" (chamar-lhe-ia, mais tarde, subúrbio) que se manifestava pela ausência de urbanidade, de qualidade urbana, de equipamentos, de acessibilidades e transportes diversificados e, também, pela pendularidade dos movimentos diários para/de Lisboa. Esta "externalidade" reforçou em mim a visão ampliada do território e da(s) forma(s) como a sociedade urbana o vai colonizando? A mudança política que o 25 de Abril trouxe, reflectiu-se na "visibilidade" da ocupação do território: outrora clandestina, de construções feitas ao fim-de-semana, a coberto de legislação obsoleta que permitia os "avos" e protegia nestes as construções precárias, agora tolerada, senão mesmo incentivada, a coberto de uma "liberdade" que adquiriu em alguns pontos do território o estatuto de "libertinagem". A minha participação no GPU do Concelho de Cascais, no qual, por ser ainda estudante de Arquitectura, me atribuíram a tarefa do estudo, caracterização e propostas de recuperação de parte dos bairros clandestinos do concelho, permitiu que me apercebesse que o território começava a apresentar outras formas de organização que já não se resumiam à dicotomia: campo/cidade. 0 campo "urbanizava-se" e a cidade diluía-se. A ocupação indistinta, desordenada, "desurbana" do território transformava o campo e substituía as suas formas de organização, baseadas na divisão cadastral, na topografia, nos valores de uso do solo, pelo caos suburbano, desregrado, sem outro desígnio que não fosse o alojar populações que procuram a cidade, permitindo-lhes, no caso concreto do concelho de Cascais, a concretização de sonhos e a exorcização de "fantasmas", manifestando-se através da forma ancestral que as sociedades têm de perpetuar a sua existência e afirmarem-se perante os vindouros: a Arquitectura. E eram (são) "arquitecturas" que, estratificadas no tempo e no espaço, reflectiam: inicialmente a necessidade de um lugar para habitar, para refúgio e protecção; posteriormente, e muito rapidamente, a necessidade de afirmar, perante a sociedade, a ascensão económica dos que as promoviam/construíam. Esta mesma necessidade de "manifestação social" da mudança de estatuto económico, que poderia ser (é) um trampolim para a mudança de estatuto social, fui encontrar também na população a alojar no bairro SAAL de Matarraque, concelho de Cascais., Com excepção da etnia cigana, efectivamente a morar em "barracas" mas com pouca expressão no número total de beneficiários do programa, e cuja, exigências se resumiam a terem uma casa, para os restantes beneficiários da operação, moradores em anexos e "partes de casa", eram as possibilidades que a condição suburbana permitia que queriam manter, ou seja, cada casa deveria ser o reflexo das imagens, "desfocadas", da vivenda burguesa que cada um pretendia imitar, segundo a sua própria interpretação, a que não faltava a rejeição da casa em banda contínua impeditiva do individualismo que começava a despontar. A mesma atitude, anos mais tarde, encontrei no concelho de Setúbal, trabalhando na autarquia, na relação que cada comprador de "avos" estabeleceu com o território e com a cidade: com o território porque, presas fáceis do especulador/loteador clandestino para quem cada metro quadrado de terreno deveria ter expressão no lucro final, a exigência de cidadania, traduziria nas previsões de espaços públicos qualificados e de áreas para equipamentos que conferissem urbanidade ao território agora "urbano", não se manifestou; com a cidade porque, usando as "arquitecturas" para a afirmação social que lhes "era exigida" e que se exigiam, a relação daquelas com o tecido urbano pré-existente era palavra vã, sendo cada uma mais exuberante que a anterior. Assim se ia construindo o território urbano da península de Setúbal, multiplicando-se os loteamentos clandestinos a um ritmo que as autarquias não conseguiam, ou não queriam, acompanhar, remetendo-se estas para um papel posterior de "recuperação", concertada em "Jornadas" e "Encontros" de técnicos e autarcas, e que se traduziu na execução/dotação de "planos de pormenor" que validaram a legalização das construções e na construção de infraestruturas que introduziram alguma aparência de urbanidade a estes bairros transformados em "cidades". Ao iniciar o trabalho na Câmara Municipal de Évora, o território imaginado desse Alentejo "amarelo", pacífico, ordenado, solidário, o imaginário criado pelos contactos pessoais e pela política, foi destruído e substituído pela realidade de uma cidade que, embora conservasse a unidade do seu Centro Histórico e ostentasse a já "turística" Malagueira, apresentava grande fragmentação territorial, originada pelo mesmo fenómeno com o qual já tinha contactado em Cascais e em Setúbal: o loteamento e construções ilegais e as mesmas receitas de planos de pormenor para validação e legalização de tudo. Reflectir sobre o fenómeno, embora fosse aliciante, era, contudo, limitado, uma vez que o que está em causa não são os clandestinos e a sua caracterização mas, antes, a cidade enquanto fenómeno e produto do ser humano, na sua vertente de esforço e fruição colectiva. A cidade é a antítese do campo. A cidade, como as aglomerações urbanas que pontuam o campo, é um organismo social num espaço físico determinado, mas difere daquelas por ser o local, por excelência, das oportunidades (porque concentração de actividades), da diversidade (porque ali aportam as mais diversas ideias, tradições, idiossincrasias, diluindo-se todas num caldo" inter-cultural) e, decorrente dos anteriores factores, local de produção cultural. Este último atributo da condição de cidade — local de produção cultural - é o principal indicador da sua urbanidade, na sua condição de espaço de troca e, por isso, de cadinho onde se forja o futuro. É, pois, a sua projecção no futuro' que está em causa e é ela o motor desta tese, mesmo que esta reflexão use a cidade de Évora: ……………………..
URI: http://hdl.handle.net/10174/11571
Type: doctoralThesis
Appears in Collections:BIB - Formação Avançada - Teses de Doutoramento

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