Please use this identifier to cite or link to this item: http://hdl.handle.net/10174/11175

Title: O corpo sentido. Poética e imaginário do corpo n'Os Maias
Authors: Onofre, Ana Luísa Liberato Vieira Vilela Anileiro
Advisors: Reis, Carlos
Keywords: O corpo sentido
Poética e imaginário
Os Maias
O corpo e a literatura
Issue Date: 2002
Publisher: Universidade de Évora
Abstract: "Sem resumo feito pelo autor"; - PREFÁCIO - No meu livro de leitura da 4ª classe, havia um texto em prosa excepcionalmente curto. Naquele tempo, os textos curtos eram poemas, que apareciam muitas vezes em fim de página: excertos de Augusto Gil, por exemplo. Os textos em prosa eram mais longos e tinham às vezes pequenas ilustrações, que podiam ser enriquecidas a lápis de cor. Aquele não: dois ou três parágrafos densos, e era só. Não havia qualquer possibilidade, ou necessidade, de os ornamentar com desenhos. Eram parágrafos d'A Cidade e as Serras. Valiam o livro inteiro, valiam os poemas todos do Augusto Gil (à excepção, pensava eu, da "Balada da Neve"); valiam até as próprias serras, a Natureza mesma. Quem poderia, depois de os ler, olhar agora para longe, para os montes ou para os vales, sem os considerar logo "poderosamente cavados", sem pensar imediatamente em "bandos de arvoredos", sem ver "espertos regatinhos" por todo o lado? Quem podia olhar agora simplesmente para um casinhoto, sem distinguir logo um rosto, um nariz, uma boca, uns olhos espreitando pelos postigos ou pelas "farripas de verdura" entre as telhas? Daí em diante, passei a preferir ler primeiro, e olhar depois. Os farrapos de sonho já tinham para mim mais corpo do que o sólido tecido do mundo real. Aqueles parágrafos fizeram-me perder a inocência; já não era capaz de sentir sem citar. Ou seja: fizeram de mim uma literata. Mais tarde, suspeitei de que, pelo menos em parte, A Cidade e as Serras troçava exactamente desta atitude. Mas já não havia nada a fazer. Mergulhei, já no liceu, na leitura impaciente de Eça, Ramalho e Camilo. A única forma de vencer a doença (quiçá uma forma fruste da sofisticada doença da Civilização, de que padecia Jacinto) era tentar compreender de que modo e por que motivos um texto de ficção pode estar mais presente e ser mais vivo do que o mundo real; perceber os modos por que se constrói no leitor a noção orgânica de um corpo, de uma presença, de uma atmosfera imaginária; conhecer o tipo de sortilégio que pode enredar o leitor nessa ilusão lúcida (mais tarde também aprendi que, em parte, era esse o problema de Dom Quixote). Para perceber isso, decidi ler Eça, cada vez mais, e muitas vezes. Era um excelente tratamento, mas nunca me curei (continuo a olhar o campo pelos olhos do Zé Fernandes). Todavia, para formular esse enigma, era capaz de fazer tudo, até combater moinhos de vento, ensinar Literatura, fazer uma tese de doutoramento sobre Os Maias. Esta dissertação é isso mesmo: a tentativa de circunscrever um enigma - como pode um texto de ficção dar uma tão densa e viva carne às suas personagens? Como podem as imagens do corpo poeticamente recuperar, no melhor romance realista de Eça de Queirós, o seu enraizamento profundamente instintivo e obscuro? Descobri pelo menos que a qualidade sortílega desse romance tem que ver, por um lado, com a fusão, no texto artístico, entre o real, o ficcional e o imaginário, fusão que sempre envolve o leitor, como ensina W. Iser, numa aventura ontológica irrecusável; e que, por outro lado, o corpo sensível pode funcionar, nesse sistema, como uma categoria transversal ou intermediária (um significante flutuante, diz José Gil), investida simultaneamente em cada um dos três vectores. Se, ao contrário do cavaleiro da Mancha, não ganhei juízo com a idade, desde há poucos anos conheço melhor Eça de Queirós - aprendi com quem mais sabe sobre ele. Aprendi sobretudo que, nos estudos queirosianos, campo imenso e polifónico, há lugar para muitos enigmas parecidos com o meu. Para seu e nosso bem, Eça continua a ser um irredutível desafio teórico. Do estado de fruição beatificamente ignorante perante o discurso queirosiano, não evoluí portanto muito; mas, como Carlos da Maia, posso dizer que nessa fruição e nessa ignorância me parece estar contida a minha vida inteira. Por isso, este trabalho, além das suas próprias insuficiências, pode reflectir também aquelas que são intrínsecas a toda a abordagem racional da criação artística; só posso esperar que, apesar de todas essas insuficiências, seja possível ainda aqui invocar "as forças vastas e ocultas da vida" ou o "alarido primordial" de que fala Octávio Paz - nessa nostalgia primeira do fantasma de Pá, um fantasma elementar que é, também, uma insistente evocação queirosiana.
URI: http://hdl.handle.net/10174/11175
Type: doctoralThesis
Appears in Collections:BIB - Formação Avançada - Teses de Doutoramento

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