Please use this identifier to cite or link to this item: http://hdl.handle.net/10174/39406

Title: Implicações sociais da escassez de água sobre as sociedades transumantes do sul da província do Cunene, Angola
Authors: Chambel, António
Alexandre, Carlos
Rodrigues, Carlos
Guimarães, Rita
Keywords: águas subterrâneas
Sociologia
Captações subterrâneas
Desertificação
Angola
Issue Date: 2023
Publisher: APRH
Abstract: A água é essencial à vida, mas a forma como é encarada e utilizada pelos diversos povos é também diversa e em consonância com as vivências, formas de estar na vida, sua utilização e quantidades necessárias. Os povos do sul da província do Cunene, no sul de Angola, pertencem a diversas etnias e estão divididos em várias tribos com uma língua base comum, mas, muitas vezes, com dialetos próprios, pelo que, na sua generalidade, se fazem entender. São ainda povos transumantes, movendo-se para longe das suas zonas mais habituais de residência por alguns meses para poder alimentar melhor o seu gado. Sendo povos que praticamente não praticam a agricultura, e que têm o seu circuito económico e interação social baseados, não na moeda do país, mas em trocas de bens, e em que o gado assume um estatuto de poder que marca praticamente todos os aspetos da sua vida, como nascimentos, casamentos ou falecimentos, a água é uma necessidade permanente principalmente para dois fins: o consumo humano e o abeberamento de gado. A água que utilizam é praticamente toda subterrânea, principalmente nos períodos de maior necessidade, pois apenas o rio Cunene, na fronteira com a Namíbia, é uma linha de água permanente. Todos os outros são rios temporários e com bastantes sinais de terem regime torrencial quando chove, o que se percebe pela dimensão dos sedimentos que preenchem o leito, alguns com blocos ou seixos de grandes dimensões, sendo que os sedimentos mais finos são areias grosseiras nas zonas mais planas. A precipitação ocorre principalmente em 3 ou 4 meses, no máximo, pelo que em todos os outros meses estes povos dependem inteiramente das águas subterrâneas. O projeto “Omeva Omwenyo – Acesso à água e segurança alimentar e nutricional para maior resiliência da população do Curoca”, é financiado pelo FRESAN/Camões IP e dirigido pela Associação para o Desenvolvimento pela Tecnologia, Engenharia, Saúde e Educação (TESE), com a coordenação científica da Universidade de Évora, a importante participação a nível logístico e de organização local da Federação Luterana Mundial (FLM), ramo Angola, e o apoio institucional e participativo do Gabinete para a Administração das Bacias Hidrográficas do Cunene, Cubango e Cuvelai (GABHIC). Tem como objetivo melhorar a vida das populações locais, através da maior disponibilidade de água, para maior resistência aos efeitos das alterações climáticas, e através de uma tentativa de alteração da sua dieta alimentar. O município do Curoca situa-se no SW da província do Cunene, limitado a sul pala Namíbia, numa zona onde a fronteira é marcada pela presença do Rio Cunene, e, limitado também, na sua parte oeste, pela província do Namibe. Está-se, portanto, no limite da passagem de uma zona semiárida para o deserto do Namibe, mais a sul e oeste. Com base no tipo de regime hídrico caraterístico desta zona, e considerando também que grande parte deste território se situa sobre rochas ígneas e metamórficas fraturadas, com muito pouco solo e uma espessura de alteração muito reduzida, as populações baseiam as suas captações, em toda a época seca, em poços ou pequenas charcas escavadas nas aluviões do leito seco dos rios ou das suas margens. Durante os cerca de 34 meses de época pluviosa, uma grande parte dessas captações fica cheia de sedimentos, pelo que todos os anos voltam a escavar, ou no mesmo local (reabertura das captações), ou iniciam nova escavação noutro local próximo. A técnica de escavação destes poços é manual, tendo os poços profundidades iniciais de 2 a 4 m enquanto os níveis de água subterrânea estão ainda próximos da superfície. Depois, à medida que os níveis freáticos vão baixando na época seca, os poços vão sendo aprofundados apenas à medida das suas necessidades, algumas dezenas de centímetros de cada vez. Não são, portanto, poços estruturais, com profundidades de 6 ou 10 m, com 4 ou 5 m de espessura de água dentro e que servem para qualquer altura do ano. Na generalidade dos casos apresentam apenas uma pequena lâmina de água de poucos decímetros. Deste modo, em anos mais pluviosos, os poços podem ter 4 a 6 m de profundidade no final da época seca, em anos menos húmidos podem aproximar-se de profundidades máximas, no final da época seca, de 6 a mais de 10 m, uma profundidade já muito elevada para poços escavados à mão. Nas últimas décadas estes povos têm vindo a sentir um rebaixamento significativo dos níveis freáticos. As captações são cada vez mais profundas. A escavação dos poços é feita à mão pelos membros juvenis das comunidades, com condições de segurança muito precárias, o que torna esta atividade muito perigosa. A extração de materiais é feita com baldes pendurados em cordas, um risco enorme para quem se encontra a trabalhar a 6 ou 10 m de profundidade. O aprofundamento dos poços para estes valores de profundidade na época mais seca, faz com que o risco de derrocada durante a construção aumente exponencialmente. São povos transumantes cujo principal recurso é o gado, essencialmente vacas e cabras, o que acaba por afectar muito negativamente os solos e os recursos hídricos, através do pisoteio intenso dos solos e da erredicação de arbustos e árvores jovens, prejudicando o renuvesnecimento da floresta. Por outro lado, estas sociedades não vivem em aldeias tradicionais caraterísticas e fixas. Vivem em casas de madeira envolvidas por um cercado também de madeira onde vivem famílias bastante isoladas de outras áreas construtivas idênticas (os designados quimbos). Rituais muito próprios destas sociedades levam a que estes locais habitados sejam abandonados e as casas construídas noutro lado de cada vez que há um acontecimento importante, como por exemplo o falecimento de um chefe/autoridade nas aldeias. As novas construções podem surgir a 500 ou a 3.000 m do local inicial. Cada vez que se muda um aldeamento deste tipo, a madeira fica abandonada, cortam-se novas ávores para constuir o novo quimbo, o que também contribui muito para a desflorestação, com consequências ao nível dos fenómenos que potenciam a desertificação, e, muito possivelmente, também com consequências na redução da precipitação. Deste modo, e porque as habitações não são permanentes, as captações são sempre feitas em zonas normalmente afastadas das habitações, e todas as pessoas que residem nessa área se deslocam a estes pontos para levar água para as habitações. Mas estes são igualmente pontos onde a população leva o gado para beber água. Nalguns locais, cerca de 2 a 3.000 cabeças, principalmente gado bovino, dependem de um único ponto de água. Em menor quantidade, existem também rebanhos de cabras. As populações organizam-se de modo a poder usar esse ponto de água, permitindo que 800 ou 1.000 cabeças de gado possam beber água por dia, ou seja, o gado só bebe água de 2 em 2 ou de 3 em 3 dias, nos casos mais graves. Este modo de vida leva a consequências para o ambiente que se refletem, neste território, nos seguintes termos: • Uma grande deflorestação, para obtenção de madeira para construção e como principal tipo de combustível usado para cozinhar e para aquecimento • Uma grande concentração de gado, o qual não permite a regeneração da floresta autóctone, delapida a vegetação rasteira e provoca uma grande compactação do solo • Uma concentração excecional de gado nos locais das captações de água, com pisoteio intenso e degradação muito elevada da vegetação por vezes em centenas de metros em redor das captações, onde o gado pode aguardar horas pelo momento de poder aceder à captação, enquanto outras cabeças de gado bebem Estas ações levam a consequências para as águas subterrâneas: • A deflorestação e a compactação do solo por pisoteio leva a uma cada vez maior escorrência de águas superficiais, prejudicando os volumes de água infiltrados no aquífero • A falta de vegetação acentua a erosão do solo, não permitindo a retenção de água que favorece a infiltração • A grande concentração de pessoas e animais leva a uma grande degradação da situação sanitária nas imediações das captações e na qualidade da água subterrâneas nas mesmas Com a redução da disponibilidade de água, outros problemas foram identificados entre a população: • O aumento dos conflitos entre grupos populacionais ou entre grupos mais sedentários e populações em transumância com o seu gado, por falta de disponibilidade do recurso. • A existência de campos de deslocados, populações cujo gado morreu devido à seca, e que são verdadeiras vítimas das alterações ambientais, nomeadamente da cada vez maior irregularidade dos ritmos de precipitação A solução para estas populações passa no momento pela tentativa de execução de captações profundas, mas esta zona de Angola necessita claramente de uma abordagem integrada que nomeadamente reveja a concentração de gado no território e algumas práticas de desperdício de material lenhoso que está a levar ao corte e desaparecimento das florestas locais.
URI: http://hdl.handle.net/10174/39406
ISBN: 978-989-8509-32-1
Type: article
Appears in Collections:ICT - Artigos em Livros de Actas/Proceedings

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