|
Please use this identifier to cite or link to this item:
http://hdl.handle.net/10174/34568
|
Title: | BRAGANÇA NA IDADE MODERNA A CIDADE SENHORIAL E A DINÂMICA SOCIAL DOS PODERES (SÉCULOS XVI E XVII) |
Authors: | Cunha, Mafalda Soares da Cardim, Pedro |
Editors: | Sousa, Fernando de |
Keywords: | Casa de Bragança Governo Senhorial Bragança Tensões jurisdicionais Poderes locais Administração da justiça 1580 Guerra da Restauração |
Issue Date: | 2019 |
Publisher: | Município de Bragança |
Citation: | CUNHA, Mafalda Soares da & CARDIM, Pedro. “Bragança na Idade Moderna. A cidade senhorial e a dinâmica social dos poderes, séculos XVI e XVII)” in Fernando de Sousa (coord.), Bragança. Das Origens à Revolução Liberal de 1820. Vol. I, Bragança: Município de Bragança, 2019, 385-465. ISBN: 978-989-8344-50-2 |
Abstract: | As principais ideias a serem sublinhadas neste capítulo são, por um lado, a rede de dependências e de apoios sociais e políticos que os duques conseguiram construir no seu senhorio ao longo dos séculos XVI e XVII e, por outro lado, a malha densa de comunicações que a casa de Bragança, através dos vários níveis da administração senhorial, estabeleceu nos seus territórios. Ambas serviam a reputação da casa, mas garantiam também a base material da sua dominação.
No que toca à comarca de Bragança, à cidade e ao seu termo, pode concluir-se que a distância que afastava os seus moradores de Vila Viçosa ou de Lisboa não inibiu a atenção e a proximidade com que o governo senhorial era exercido. Relembre-se por esse motivo que a ascensão do duque D. João a rei de Portugal não destruiu as pré-existentes malhas da administração do ducado, antes se aproveitou delas para mais eficazmente concitar solidariedades. Esta questão é muito importante, porque ajuda a deslindar a confusão que a dupla condição de duque e de rei de D. João IV provocou e se traduziu no descaso que alguma historiografia tem feito ao significado da preservação da infraestrutura senhorial dos territórios dos Bragança após 1640. É verdade que a intitulação régia que, após essa data, todos os oficiais, e o próprio D. João e os seus sucessores usaram na tramitação da papelada relativa à gestão do ducado terá contribuído poderosamente para tal desatenção. Mas também importa reiterar que a compreensão da eficácia e da rapidez com que D. João IV assegurou o consentimento dos povos e, posteriormente, garantiu a ruptura com a Monarquia de Espanha fica incompleta se não se atender ao facto de cerca de 10% da população do reino de Portugal ser sua vassala, da capacidade que manteve de a tributar e de lhes arrecadar as rendas e, finalmente, da decisão de alocar boa parte dos recursos ducais ao serviço da secessão do reino.
Cabeça de um ducado fisicamente ausente, Bragança beneficiou, contudo, da vontade de enobrecimento que essa condição suscitou nos duques. A intenção de criação de uma universidade talvez seja aquela que melhor exprime esse desiderato ducal, embora seja justo apontar que o patrocinato dos duques – seja nas benfeitorias urbanas de uso comum, seja nos equipamentos religiosos - também se estendeu por outras terras da casa. Mas o custo da administração que os duques aceitaram sustentar na comarca de Bragança também merece atenção. Seja pela distância e pela extensão da comarca, seja por características particularmente reivindicativas e conflituosas dos moradores dessa região, assunto que, infelizmente, não se pode esclarecer aqui, o facto é que os vassalos transmontanos do duque estavam enquadrados por um oficialato mais bem pago do que o de outras comarcas. E as rendas que traziam para a casa eram, como se viu, muito significativas. De resto, a questão do peso económico das diferentes partes do senhorio dos duques na composição do seu rendimento anual mereceria seguramente um tratamento mais atento. Não apenas porque parecem ter um peso substancial na economia da casa, mas porque ajudariam talvez a explicar melhor o impacto concreto que tiveram na vida das populações.
Em todo o caso, os dados já sistematizados permitem adiantar que do ponto de vista defensivo e económico Bragança tinha menos relevância do que Chaves. Em termos económicos fica claro que as rendas que a casa de Bragança arrecadava entre os flavienses parecem bem mais significativas do que no almoxarifado de Bragança. Como expôs na década de 1640 Alberto Pais Machado, ouvidor na cidade de Bragança, para justificar a sua ausência de Bragança no momento de fazer os arrendamentos das rendas da comarca, era “de mais importância assistir em Chaves pela diferença que há de importância de umas a outras”.
No seu conjunto, o estudo apresentado ao longo deste capítulo mostra que, durante a época moderna, os brigantinos lidaram muito mais intensamente com as estruturas senhoriais do que com a administração régia. Ficou demonstrado que o oficialato da casa ducal marcou uma presença muito forte em Bragança, desde a administração da justiça à fiscalidade, desde as estruturas eclesiásticas à câmara municipal. Pensar a história de Bragança sem ter em conta este forte e perene enquadramento senhorial significa perder de vista uma fundamental dimensão da vida local e regional, e a primeira parte deste capítulo deixou isso bem patente. Além disso, através da análise densa do processo de resenhorialização, situou-se as terras de Bragança na lógica mais geral de estruturação do universo nobiliárquico do Portugal moderno. Também se analisou a interação entre a administração senhorial e o oficialato que a Coroa foi designando para aquela região transmontana, uma interação marcada por alguma tensão, mas também por sinergias e, sobretudo, pelo respeito régio pela jurisdição senhorial. Claro que a autoridade régia se fez sentir em Bragança através de vários meios e em diversos momentos.
Um deles foi a convocatória dos brigantinos para as Cortes, tema da segunda metade deste capítulo. O modo como os camaristas de Bragança responderam a essas convocatórias é revelador da maneira como os vassalos de um senhorio lidavam com a autoridade da Coroa num ambiente de pluralidade jurisdicional.
Que balanço podemos fazer da participação de Bragança nas Cortes celebradas durante os séculos XVI e XVII? Antes de mais, cumpre realçar o envio de representantes brigantinos nas Cortes em quase todas as assembleias quinhentistas e seiscentistas. Essa regularidade de participação está ligada à condição fronteiriça da cidade, ao facto de ser cabeça de ouvidoria e, ainda, ao seu relativo isolamento. Todos estes fatores tornaram a presença em Cortes num momento especial de interação entre as autoridades camarárias brigantinas e a Coroa. A emergência (e a rivalidade) de núcleos urbanos próximos de Bragança, como Miranda ou, já no século XVII, Chaves, também terá acabado por motivar os brigantinos a participarem nas Cortes. No que toca ao perfil social, recorde-se que quase todos os procuradores que conseguimos identificar eram oriundos de famílias poderosas locais. A sua atuação foi, no mínimo, discreta. Sobre os mesteres de Bragança, sobretudo os que estavam ligados à manufatura da seda, assinalámos que têm muito pouca visibilidade nos pedidos enviados às Cortes. O mesmo se poderia dizer das tensões com a casa ducal de Bragança, que certamente existiam. A interpretação pode talvez ser atribuída ao facto de existirem outros canais de comunicação entre Bragança e a Coroa para apresentação e resolução dos seus assuntos particulares.
Momentos houve em que o poder régio irrompeu com especial intensidade na sociedade local. Foi isso o que sucedeu em 1580 e a partir de 1640, duas conjunturas em foco na parte final deste capítulo. Em ambos os casos a acção militar colocou momentaneamente sob pressão a jurisdição senhorial, contribuindo para o intensificar da autoridade régia, em Trás-os-Montes, como no resto do reino. No entanto, e a despeito de todas as tensões e conflitos então ocorridos, a estrutura da Casa de Bragança revelou uma especial resiliência e, uma vez encerrados esses dois períodos convulsos, voltou a enquadrar grande parte do quotidiano das gentes brigantinas. Como se disse antes, é importante sublinhar este último aspecto, uma vez que, após 1640, facto de o titular do ducado passar a ser o mesmo do reino de Portugal e, por consequência, passar a ser designado pela sua intitulação régia na comunicação com as autoridades e os moradores do senhorio tem induzido alguns estudiosos a desconsiderar essa importante dimensão do quotidiano local. Com efeito e como se procurou demonstrar neste capítulo, os fundamentos da dominação senhorial estabelecidos em Bragança em meados do século XV, e renovados no início do século XVI, são fundamentais para explicar, quer a tributação que pesava sobre as populações, quer as relações sociais de poder existentes na comunidade local ou até as reivindicações que as populações iam dirigindo à coroa tão tarde quanto o final do século XVIII. A grande divergência face ao período anterior a 1640 é justamente a identificação entre os objectivos últimos da casa ducal e da Coroa e, com ela, as possibilidades de aproveitamento dos recursos senhoriais para os propósitos políticos da monarquia. E essa é uma diferença que seguramente importa não menosprezar. |
URI: | http://hdl.handle.net/10174/34568 |
ISBN: | 978-989-8344-50-2 |
Type: | bookPart |
Appears in Collections: | HIS - Publicações - Capítulos de Livros CIDEHUS - Publicações - Capítulos de Livros
|
Items in DSpace are protected by copyright, with all rights reserved, unless otherwise indicated.
|