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http://hdl.handle.net/10174/11200
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Title: | Estudos cromáticos nas intervenções de conservação em centros históricos (Bases para a sua aplicação à realidade portuguesa) |
Authors: | Costa, José Manuel Aguiar Portela da |
Advisors: | Jorge, Virgolino Ferreira |
Keywords: | Estudos cromáticos Conservação em centros históricos Conservação e (ou) restauro Conceitos báasicos e teorias da cor Património arquitectónico Recuperação |
Issue Date: | 1999 |
Publisher: | Universidade de Évora |
Abstract: | "Sem resumo feito pelo autor"; Os sinais do tempo parecem dizer-nos que vivemos o colapso de uma civilização (a industrial) e a fundação de uma outra era. Em plena transição entre sistemas de pensamento, na criação de novos paradigmas, os tempos não são optimistas, como foram no início deste século. Hoje vemos o futuro com apreensão, entre a anestesia do consumo e algum pessimismo ecológico.
A História, registando a constância das grandes questões dos homens, afirmou-se como um porto de partida para as limitadas aventuras que se pedem, em arquitectura, à nossa geração. Passados que foram os tempos das grandes causas, das grandes revoluções, exige-se o compromisso, a negociação com os lugares, os contextos e as gentes, maximizando os recursos disponíveis, pelo que falamos (cada vez mais) em "arquitecturas e cidades sustentáveis" e, portanto, também em conservação.
A falência da cidade moderna e a (re)descoberta do desenho da cidade histórica, introduziram aproximações disciplinares onde o colectivo, o permanente e o tipológico substituíram a voragem individualista, objectual e criativa que, durante a primeira metade do século, orientaram a arquitectura. No novo mundo do excesso da informação, do aparente e fácil contacto de todos com todos e das novas solidões, o olhar arquitectónico, despertado pela história, descobre incrédulo outras histórias, que não estavam, que estavam mal, ou só estavam parcialmente contadas.
Olhar não é fácil. Só vemos o que conhecemos, o que adjectivamos. Umas das lições essenciais, que recebi de
Fernando Távora, referia-se à dificuldade de ver em arquitectura. Dizia Távora, nas suas saudosas aulas, que era impossível vero que ignoramos, amar (arquitectonicamente) o que desconhecemos; ...que passamos anos a passar
por coisas, olhar para coisas que não vemos, que não temos sequer a consciência que existem, até um dia em que se faz luz (ou cor).
Partindo do Porto, nas viagens que, começando pelo Alentejo, iniciei na descoberta da arquitectura do meu país, vi que ele era feito de outros países, de muitas gentes e culturas. Pessoa, Orlando Ribeiro e depois José Mattoso (re)confirmaram-me esta descoberta; de que havia vária almas e muitos corpos portugueses, num continente
peninsular e algumas ilhas (...na madorra da espera do terceiro império), entre um Norte atlântico, viril e teutónico
do granito, do castanho e dos carvalhos; e um Sul mediterrânico, mais colorido e luminoso, mais sensual e flexível, como o calcário e as casquinhas brandas, de construção mais pobre que se cobre de sensuais rebocos.
A evolução da teoria da conservação diz-nos, hoje, que temos de preservar o físico, mas também o intangível (os saberes, as práticas culturais, as funções e as actividades históricas da cidade), verificando-se uma grande ampliação no que hoje consideramos como «património». Para a nossa geração património será tanto a «obra de arte», o monumento clássico digamos assim, como o lugar e o ambiente, a cidade histórica e a cidade consolidada. Mas é também património o território e a paisagem humanizadas, de que tanto fala Ribeiro Telles, enquanto arquitecturas de vasta escala, ou seja: organizações voluntárias do espaço feitas pelo homem e portadoras dos seus valores.
Depois da II Grande Guerra, nas décadas da renovação, interveio-se na cidade segundo uma lógica de substituição (demolindo para construir a nova arquitectura do novo urbanismo). Mais tarde praticou-se uma reabilitação sistemática do "parque edificado", onde a arquitectura histórica era apenas mais uma das "pré-existências" contextuais, condicionadoras do projecto. Mais recentemente, iniciou-se a conservação e/ou o
restauro filológico aplicados ao contexto urbano, correspondendo à valorização económica e cultural da
história e dos "Centros Históricos".
Com o regresso à cidade, com as novas formas de produção e o terciário avançado a sustentarem o retomo
da ideia da cidade consolidada como local de miscigenação funcional, de novo adequado à residencialidade e
ao trabalho, chegamos ao momento em que a reciclagem destes tecidos se manifesta como campo promissor
do exercício da actividade de projecto.
Em Portugal acordámos relativamente tarde para o problema da conservação da cidade histórica. Num país
afastado da marcha do progresso, durante décadas amordaçado cultural e politicamente, tomámos como
segura a continuidade das cidades tradicionais, a permanência das antigas práticas construtivos, isto quando
ambas já se encontravam perdidas, ou definitivamente ameaçadas. O olhar para o amanhã significava a
procura das novas comodidades, das novas possibilidades abertas pelo consumo, pelo que, nesse contexto,
a história e os seus cenários físicos foram (são ainda) para muitos, sinónimo de atrofiamento e de pobreza.
Se observarmos o fortíssimo impacto, na actualidade, da cultura da conservação patrimonial e do restauro
urbano, patente nas economias de alguns países da Europa - continente onde justamente se deu o apogeu da cultura das cidades -, é mais paradoxal ainda constatar os erros estratégicos de um dos poucos Estados europeus, o nosso, cujo património urbano sobreviveu quase incólume aos grandes cataclismos do século.
Iniciando-se em meados dos anos 70, o olhar português sobre a reabilitação urbana teve, durante as últimas décadas e ao contrário de outros países europeus, um forte enfoque social. Com as acções práticas dos Gabinetes Técnicos Locais (GTL's), tentou combater-se a gentrification que, noutros contextos, expulsou os menos afortunados dos (mal chamados) "centros históricos".
No entanto, também entre nós a cidade histórica se revela de novo apetecível para a burguesia ou a classe média-alta que, em Lisboa, regressa hoje à Lapa e à Graça, por vezes subvertendo o habitat proletário (as
vilas operárias) em condomínios de luxo (como a Vila Bagatela), voltando ao centro depois de décadas de refúgio nos Estoris e em Sintra, encerrado o ciclo do acesso limitado ao automóvel, antes privilégio de
poucos.
Se é de toda a justiça apontar o nosso firme envolvimento na reutilização social da cidade histórica, importa também não esconder que se deixou para segundo plano os factores histórico-culturais – eventualmente,
também, os macroeconómicos, pela permanência do congelamento das rendas e o abandono estratégico das questões urbanas pelas políticas patrimoniais -, verificando-se o predomínio de ópticas eminentemente
utilitárias e pragmáticas, a que chamamos de "reabilitação urbana", sobre os aspectos da conservação patrimonial e do chamado "restauro urbano".
Disciplinarmente, à arquitectura e ao projecto pediu-se eficácia e utilitarismo, no sentido de uma reconversão
contemporânea do existente, mais do que desenvolver as capacidades de mediação entre os valores materiais e patrimoniais a preservar e as aspirações sociais a satisfazer. Ao contrário do que acontece
noutros países europeus (a Itália, por exemplo), os nossos curricula de ensino da Arquitectura, na maioria dos mais de 20 cursos hoje existentes, pouco (ou nada) contemplam a teoria da conservação e do restauro, faltando entre nós uma projectualidade integradora das dimensões teóricas e técnicas inerentes a intervenções sobre património! Em consequência, enquanto estratégias de projecto, o novo (substituidor) ou, mais lamentavelmente, o falso histórico, impuseram-se às obrigações da salvaguarda material dos originais, pelo que renovamos mais do que restauramos e, neste contexto, praticamos cada vez mais extensivamente o fachadismo.
Primeiro no estudo da reabilitação do Bairro Alto, depois na oportunidade da (re)visita a dezenas de cidades históricas, quando da escrita do Guião de apoio à reabilitação de edifícios, apercebi-me de alterações que senti como traumáticas: em muitos dos núcleos históricos, a cuja "reabilitação" assistia, verificava que modificávamos de forma excessivamente decisiva a sua essencialidade, prejudicando valores que os tomavam particularmente caros, alterando (por vezes, afectando irremediavelmente) a sua identidade urbana e arquitectónica.
Esta sensação de absurdo e de perda, cuja causas precisas não sabia definir, aumentou quando assisti ao fenómeno 7ª Colina e particularmente quando, entre 1997 e 1999, revisitei, por diversas vezes, alguns dos núcleos históricos objecto de um programa governamental, conhecido pelo slogan `Dez milhões para dez aldeias".
Durante duas décadas, na Primavera, com a lentidão de um 2CV azul tropical, corri as pequenas cidades e vilas de fronteira. Fotografei ciclicamente a sua arquitectura, nos mesmos ângulos, dos mesmos pontos de vista. Se existiam ainda entre nós lugares plenos de autenticidade e de capacidade rememorativa, onde sentíamos a emoção da descoberta e do contacto não intermediado coma história, eram certamente esses. Em algumas dessas terras, o antes e o depois da "reabilitação", foi, em demasiados casos, o antes e o depois de perdas irremediáveis.
Em algumas dessas intervenções, como outras que visitei por todo o país, resultando da actuação de dezenas de GTL's, as mudanças mais radicais incidiam sobre a imagem urbana. Casas das quais me lembrava com pinturas e frescos, imitando pilastras, fingindo remates arquitectónicos eruditos, estavam agora rebocadas e integralmente pintadas de um ascético branco. Fachadas que sempre tiveram rebocos, algumas com grafitos, apresentavam-se agora nuas, obedecendo à moda da pedra à vista.
Os problemas pareciam-me de ordem tecnológica, na incapacidade de (re)fazer, e de natureza disciplinar, nas carências metodológicas do desenvolvimento de projectos dirigidos para a conservação, mas que foram incapazes de a alcançar. Pedia-se salvaguarda, respondia-se com renovação.
0 caso dos revestimentos e acabamentos arquitectónicos, aquilo que vulgarmente designamos como "a cor dos centros históricos", era, nitidamente, uma das áreas mais problemáticas. Parecia existir algum desconhecimento sobre a importância testemunhal do valor e do contributo expressivo de elementos e partes das construções originais, como os revestimentos, tanto quanto o desconhecimento tecnológico sobre as possibilidades da sua conservação e restauro.
A sociedade contemporânea, e a sua enorme capacidade de reproduzir virtualmente o real em imagens que aparentam ser ainda mais reais do que a própria realidade (como disse Eco), dessacralizou padrões e significados imemoriais: a visão do ouro já não desperta as emoções de outros tempos, a cor do ouro abunda em todo o pechisbeque, e a emoção só eventualmente surge quando o especialista no diz estarmos materialmente perante o ouro verdadeiro!. A capacidade industrial de fazer o super-perfeito - a cor eficaz e homogénea, os acabamentos polidos e brilhantes - acabou por transformar o desejo em vulgata. Instaura-se então a aspiração inversa: o regresso à aparente imperfeição do que é artesanal, heterogéneo, ecológico, mais natural do que o natural. E o tradicional toma-se caricatura, ou kitsch.
0 contacto com a cor, as texturas, a pátina, os ornamentos particulares, o todo que define a linguagem do rosto colectivo e parte essencial da identidade das cidades históricas que descobrimos, toca-nos imediatamente, deixando-nos impressões profundas. É paradoxal constatar que esse rosto é hoje profundamente desconsiderado quando planeamos a reabilitação dessas cidades e das suas arquitecturas. Deixamos o seu controlo ao acaso de protagonistas individuais (sejam eles projectistas, ou executantes) raramente vinculados (cultural, antropológica e socialmente) à realidade onde intervêm, recorrendo a meios expressivos limitados ou limitadores, o cimento, as tintas de areia ou plásticas, as paletas de cor iguais, do Norte ao Sul do país. Agentes raramente capazes, sequer, de uma afinação de cores, tentando (pelo menos) a correspondência às pré-existências, ou a inserção no contexto dos lugares.
«Olhos que não vêem», como dizia o sempre odiado-amado Le Corbusier, que por vezes também não via. Como quando equiparou a arquitectura grega a uma máquina precisa, feita de mármore, dando-a como exemplo da essência construtivista, na total correspondência entre forma e matéria, ou declarando brancas as catedrais. A
história há muito que deu a verdade a Hittod: a arquitectura grega sempre foi revestida e policroma! Provam-no os inúmeros vestígios arqueológicos estudados desde meados do século XIX, não só na Grécia, como também nas comunidades gregas da Sicília e de Paestum. Provaram-no também Peroni e Erlande-Brandenburg ao constatarem que, afinal, as catedrais não eram brancas.
Nas vontades de raiz industrial e mecanicista, da qual acaba por resultar a fuga à cor, na opção pelo purismo do branco ou pelo ascetismo minimalista neoplástico, desenhou-se o destino da geração moderna - que esqueceu Bruno Taut - sonhando com as novas formas permitidas pelos novos materiais de aplicação universal (como o cimento, mas também o amianto), supostamente capazes de serem, ao mesmo tempo, forma e estrutura, protecção e isolamento, superfície e cor – dispensando revestimentos e "fingidos" que, desde Ruskin, se condenavam como pouco "verdadeiros".
A tão desejada matéria-prima universal, capaz de construir a nova estética do mundo da indústria, material mágico que (aparentemente) ainda hoje não existe, pareceu manifestar-se no betão armado simplesmente descofrado, e manifesta-se hoje no betão branco da moda fim-de-século. Material almejado que deu origem -depois dos primeiros sinais da falência do betão - à procura de outro tipo de produtos de síntese, da química orgânica, e aos protótipos das casas feitas de plástico (nos anos 50) ou insufláveis (nos anos 60), aos pavilhões de estética lunar e às cúpulas transparentes de policarbonato, às agulhas metálicas e às aranhas de cabos de aço (da Munique dos anos 70), no auge da crença no progresso da ciência, adivinhando-se já o despertar ecológico. Mais recentemente regressou o sonho, com as transparências do vidro, material estrutural que nos dizem ser capaz de substituir o betão armado.
O ornamento é crime! disse Loos. A verdade da forma arquitectónica confundiu-se, desde há mais de um século, com as possibilidades expressivas dos materiais tectónicos, instalando-se uma moral que condena a ocultação, mesmo quando esta é, também, protecção. Em grande medida este tipo de posições, de grande impacto ainda hoje, parte de um desconhecimento objectivo das práticas de construção ancestral, e dirige-se, obviamente, para a resolução dos novos problemas de produção, levantados pela revolução industrial. |
URI: | http://hdl.handle.net/10174/11200 |
Type: | doctoralThesis |
Appears in Collections: | BIB - Formação Avançada - Teses de Doutoramento
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