Interacção solo-atmosfera em clima semi-árido

Abstract

"Sem resumo feito pelo autor"; A mudança climática devida à acção do Homem constitui um dos grandes desafios do próximo século. Nas últimas décadas o interesse por esta temática cresceu exponencialmente, devido especialmente ao aumento rápido das concentrações de gases de estufa e à generalização de resultados de simulações numéricas com modelos de circulação global indicando impactos potenciais muito elevados sobre o clima mundial durante o século XXI. Existem, no entanto, outras facetas da mudança climática que precisam de ser compreendidas não só pela sua importância no clima local como pela possibilidade da sua interacção com a mudança da composição atmosférica. Entre elas salientam-se as alterações climáticas que resultam de modificações extensas do uso do solo, incluindo desflorestação, irrigação e urbanização. Na região mediterrânica a modificação do uso do solo com maior impacto potencial sobre o clima é provavelmente a transição de uma agricultura de sequeiro para agricultura de regadio. Neste clima o desenvolvimento vegetal é frequentemente limitado pela disponibilidade de água, sendo de esperar uma alteração drástica na partição dos fluxos energéticos à superfície devida à irrigação. Em Portugal continental iniciou-se recentemente uma transformação em grande escala nesta direcção: a construção do empreendimento do Alqueva. A importância potencial do Alqueva no clima regional foi imediatamente reconhecida, tendo o Estudo de Impacto Ambiental incluído um capítulo bastante desenvolvido sobre esse tema. Nesse trabalho (Salgado, 1996 e Miranda et al., 1995), desenvolveu-se uma metodologia pioneira de estudo do impacto climático recorrendo a um modelo físico com representação explícita da circulação atmosférica e do balanço energético e hídrico do solo, e a observações locais de fluxos de superfície, que permitiram estimar o impacto do empreendimento na temperatura e humidade atmosféricas. À data desse trabalho (1994-1995) existiam, no entanto, diversas limitações tanto no que se refere à capacidade de cálculo como à inexistência de observações adequadas da estrutura térmica e hídrica da camada limite atmosférica. O projecto Climate Impact of Changes in Land Use (CICLUS, FCT), realizado em parceria com grupos de investigação de diferentes instituições, desenvolveu um extenso programa de observações meteorológicas, adiante designado por experiência CICLUS. A experiência CICLUS constituiu a maior campanha de observação sistemática da circulação atmosférica já realizada no Alentejo, reunindo dois anos de dados numa rede de estações de superfície relativamente densa, com 2 períodos de observação intensiva em altitude. Os dados recolhidos, particularmente na campanha intensiva que decorreu em Julho de 1998, permitiram, em conjunto com simulações numéricas com o modelo atmosférico MesoNH, melhorar o conhecimento da circulação de Verão sobre a região Sul de Portugal e o seu enquadramento na circulação de escala peninsular. O escoamento local é o resultado da interacção complexa entre a circulação de larga escala, dominada pelo anticiclone dos Açores, a formação e desenvolvimento de uma depressão térmica sobre a Península, os sistemas de brisas de mar nas costas Ocidental e Sul e a existência de elevados fluxos de energia à superficie que produzem o desenvolvimento de uma camada limite instável. Apesar da existência de estudos sobre circulações de mesoscala, sobre diversas regiões costeiras da Península, nenhum incluía no seu domínio o Sudoeste peninsular que, como indicado no presente trabalho, apresenta aspectos distintivos relevantes. A Caracterização da circulação sobre a região permitiu uma discussão mais rigorosa dos efeitos atmosféricos induzidos pela criação de heterogeneidades na superficie. Neste âmbito foram discutidos os seguintes impactos da albufeira e do plano de rega de Alqueva: o impacto da irrigação no clima locaFregional e na circulação atmosférica no período de Verão, em que são maiores os contrastes entre a zona irrigada e a sua envolvente; (ii) o desenvolvimento de brisas de lago no Verão e no Inverno; (iii) os efeitos sobre a precipitação conectiva; (iv) os efeitos da albufeira sobre o campo do nevoeiro no período de Inverno. Os efeitos atmosféricos das alterações na superficie foram estimados com base na simulação de casos de estudo reais. Cada experiência numérica incluiu uma simulação de controlo correspondente à situação pré Alqueva e uma outra onde a superfície foi alterada, introduzindo a albufeira e o perímetro de rega. O par de simulações partiu das mesmas condições atmosféricas iniciais e de forçamento, fornecidas pelas análises do modelo global de previsão do tempo ARPEGE (Météo France). Considerou-se o cenário extremo, com a albufeira à sua cota máxima e toda a área irrigada coberta por culturas de regadio e com o solo à capacidade de campo. Os impactos foram estimados a partir das anomalias entre cada par de simulações. Utilizaram-se algumas metodologias no sentido de tornar os resultados generalizáveis. Para o caso das experiências de Verão procedeu-se a uma classificação objectiva dos regimes de tempo sobre a região a partir das análises do Centro Europeu de Previsão do tempo do geopotencial aos 700 hPa, no período 1979-1999. A classificação permitiu identificar alguns casos de estudo representativos das situações sinópticas mais frequentes no período de Verão. Conjugando os resultados encontrados em cada um dos casos de estudo e conhecendo a frequência de ocorrência da classe a que pertencem estimaram-se os impactos sobre todo o período. No estudo do impacto sobre o nevoeiro no Inverno procedeu-se ao lançamento de um programa de simulações englobando 3 meses do ano de 2003 (90 casos de estudo). Deste modo foi possível proceder ao tratamento estatístico dos resultados e à determinação de tendências que permitem extrapolar as conclusões de modo a obter estimativas dos impactos em diferentes situações. Por último, o escalamento dos impactos pela área irrigada permite obter resultados utilizáveis na estimativa de alterações do uso dos solos da mesma escala e em condições climáticas semelhantes. A tese está organizada do seguinte modo. No capítulo 1 procede-se a uma revisão do estado da arte actual do conhecimento sobre as interacções solo-atmosfera e sobre os impactos climáticos da alteração do uso dos solos, em particular em regiões semi-áridas. Neste capítulo inclui-se uma descrição do projecto de Alqueva que inclui a albufeira, cujas comportas foram encerradas em Fevereiro de 2002, e o perímetro de rega. O MesoNH e, em particular, as parametrizações físicas mais relevantes para o presente estudo, é apresentado no capítulo 2 Inclui-se uma descrição das bases de dados utilizadas para gerar os parâmetros necessários à representação da superfície e do solo e, em particular, da base de dados da textura do solo criada, no âmbito do presente trabalho, a partir dos mapas digitais do solo da FAO. No capítulo 3, a circulação sobre a região numa situação típica de Verão é estudada com o recurso a simulações numéricas. Os resultados das simulações numéricas são detalhadamente confrontados com observações efectuadas durante a campanha CICLUS e contribuem para a elucidação de alguns dos mecanismos dinâmicos e termodinâmicos responsáveis pela estrutura vertical observada. No capítulo 4 os impactos atmosféricos da alteração do uso dos solos decorrentes da implementação do plano de rega de Alqueva são discutidos com base num conjunto de simulações de casos reais. No capítulo 5 discute-se o efeito da albufeira na formação e evolução do nevoeiro no período de Inverno. Por último apresentam-se as conclusões gerais da tese. Em anexo apresenta-se uma descrição sumária da experiência CICLUS.