Please use this identifier to cite or link to this item: http://hdl.handle.net/10174/11017

Title: A Problemática do Plágio como Questionamento da Transtextualidade (Análise da Relação Literária na Leitura Comparativa de O Crime do Padre Amaro com La Faute de L'Abbé Mouret)
Authors: Jorge, Carlos Jorge Figueiredo
Advisors: Buescu, Helena Carvalhão
Keywords: Plágio
Transtextualidade
Leitura comparativa
Relação literária
Padre Amaro
L'abb Mouret
Issue Date: 1997
Publisher: Universidade de Évora
Abstract: "Sem resumo feito pelo autor"; - Quando Machado de Assis, no comentário crítico que fez a O Primo Basílio e O Crime do Padre Amaro, acusou este último romance de ser uma simples imitação de La Faute de l'Abbé Mouret, iniciou um processo retórico de restrições nos códigos de leitura do romance criticado cujas consequências, do nosso ponto de vista, dificilmente poderão ser alteradas. Entre estas, a mais evidente é a que leva a associar quase sempre ao romance de Eça a questão do plágio. Contudo, não se trata de uma acusação evidente de plágio a que fez o mestre brasileiro. O processo, como veremos melhor na primeira parte do nosso trabalho, é insidioso e ambíguo. Em grande parte, podemos admiti-lo, os resultados da acusação foram os esperados por Machado de Assis. Contudo, a dimensão das consequências, na sua globalidade, talvez tivesse ultrapassado não só as expectativas do crítico como as dos leitores seus contemporâneos. De certo modo, o desenvolvimento da nossa argumentação será avaliar, fugindo o mais possível à simples apologética, o conjunto de problemas que o comentário do escritor e crítico brasileiro levantou, bem como procurar perspectivar, do ponto de vista da teoria da literatura, a importância do conceito "plágio" no interior das abordagens científicas que buscam o conhecimento da literatura. Parece-nos indiscutível que a acusação feita por Machado de Assis a Eça de Queirós, sendo literalmente a de "imitação", foi, de imediato, lida por outros contemporâneos, detractores e apologistas, como "plágio". Junto com a utilização do termo "imitação", Machado de Assis introduz outra observação crítica restritiva - a da obediência à "escola". Sendo a figura tutelar evocada a do chefe de escola, Zola, não é absurdo presumir que o complexo problema que Machado suscita com a sua crítica seja o da mimesis entendida como prática de obediência a um cânone, ou seja, as práticas artísticas segundo a maneira de um mestre que representa uma linhagem, podendo isso ser entendido como incapacidade criativa, ou impossibilidade de originalidade. Contudo, não nos parece que o escritor brasileiro estivesse a apelar para um princípio em que a originalidade tivesse de vir a manifestar-se a partir do nada. Como matéria prima para a reelaboração, na criação original, ele sugere a "tradição", entendendo-a não como os ditames de uma escola mas antes como as indicações difusas a abstrair da prática de mestres que teriam fundado os grandes valores nacionais, entre os quais os do engrandecimento da língua. A língua fica entendida, assim, como um reduto patriótico manifesto por alguns discursos literários modelares portadores de valores ideológicos "adequados" a qualidades que se harmonizam, segundo esse decorum, com qualquer coisa como uma alma ou espírito da pátria que se exprime na língua. Que essa língua não seja um sistema mas, antes, os discursos de autores inseridos no movimento romântico apenas nos vem mostrar como a acusação de plágio (dita "imitação", insistimos) tem muito mais a ver com o modelo seguido do que com o facto de se ter seguido um modelo. É relevante, ainda, que Machado tenha necessidade de caracterizar o modelo "imitado", mas prefira silenciar os traços discretos dos modelos que se deveriam seguir. Basicamente, parece-nos, o indiscutível formula-se, sobretudo, pelo não explícito, pelo aludido e difuso. A crença é o grau máximo da ideologia que tem o fundamento no que se sabe sem formulação, sem explicitação. É nesse interstício de obscuridade que a "certeza estética" formula o seu cânone como um panteão de entidades que não se discutem, que emanam valores de fundação e sobre os quais assenta, inquestionável, a tradição. O que se evidencia, deste modo, é a problemática renovada de um questionamento milenário no interior da literatura: o da mimesis. Convocá-lo, de novo, para emitir apenas formulações ou reformulações no interior da teoria da literatura, pode ser interessante para observar o estado da ciência literária (essencialmente o conjunto ordenado disciplinarmente dos discursos sobre a literatura, utilizando uma metalinguagem teórica), mas talvez não adiantássemos muito relativamente ao mestre grego da Poética. Contudo, a observação dos elementos comparáveis de duas obras, uma das quais foi acusada de ser plágio da outra, coloca-nos no interior de uma problemática literária que nos parece ser extremamente produtiva. Defrontando-se duas poéticas no horizonte dessa acusação, podemos formular através dela e da polémica que gerou quais os horizontes que se abriram num primeiro estádio de teorização - o das argumentações das escolas nas formulações (e práticas) dos princípios genéricos que regeram as suas produções. Observar - no sentido em que fala Mignolo (1989:48)- é darmo-nos como tarefa perspectivar as nossas condutas (neste caso literárias) e as de outros seres humanos, como domínios de estudo, nomeadamente as reflexões que fazemos sobre a actividade literária, quer como escritores quer como leitores. É nesse sentido que nos parece importante e produtivo determo-nos na observação das práticas artísticas como práticas de relação no interior da série literária (entendida como relação de sequencialidade onde se manifestam relações de intertextualidade), bem como os contextos de outras séries (artísticas, culturais, científicas, políticas) com as quais os fenómenos em questão mantiveram relações interdiscursivas (por exemplo, o anticlericalismo, o discurso político, o discurso científico). Esse domínio, ainda que teoricamente bem delimitado, raramente é aprofundado relativamente a objectos concretos que emergem da prática literária. Os casos de reescrita, de imitação, de reformulação de um mestre, ainda que reconhecidos, são eufêmisticamente evitados porque, pensamos nós, aos estabelecer-se a relação em profundidade diminui-se o valor de originalidade do autor que se diz ser "imitador". Por nossa parte, julgamos que, indo francamente ao encontro de um caso de "plágio" várias vezes afirmado (e refutado ainda mais vezes), vamos tocar no cerne de uma prática que desde há muito se chama mimesis (a mimese aristotélica, neste caso) e que, inevitavelmente, se tem traduzido (e entendido, portanto) por imitação e por representação. Esta dupla tradução (e compreensão) remete-nos para a factualidade fascinante do problema: a de que a feitura de um universo textual literário se realiza por operações de representação (o erguer de um mundo ficcional - narrativo, lírico ou dramático), ou seja, de um objecto que, não sendo o mundo empírico, tem valor de mundo, apesar de tudo; e que, inevitavelmente, essa representação se faz segundo a obediência a processos de reconhecimento, aos códigos e modelos que permitem as relações do homem com o mundo, e dos homens entre si. Se posso dizer o mundo, de um modo que é possível transmitir a outro homem que mundo é esse de que falo, também é possível construir segundo processos semelhantes um mundo alternativo, porque as regras de construção para representar e simbolizar são, elas próprias, reconhecidas e transmitidas. Sendo assim, pode ler-se uma obra, sobretudo romanesca ou teatral (onde o nível da fábula seja dominante), como o espaço textual em que uma representação de mundo tem uma certa singularidade fenomenológica extra-verbal. Uma convicção forte, nesse sentido, pode argumentar que um romancista, por exemplo, cria um mundo reconhecível e estável no seu romance, de tal forma que toda e qualquer leitura o constituirá como fenómeno sempre idêntico ao de todas as outras leituras praticadas. Pensamos que isso é verdade, em grande parte, e que é por essa razão que dois leitores distintos podem discutir com coerência (e com proveito, na esfera dos valores antropológicos projectados) o comportamento de Amaro, julgando-o, e, na sequência dessa discussão, pôr em confronto esse juízo com o que se formula sobre Serge na leitura de La Faute. Contudo, o abuso de uma tal perspectiva pode ser empobrecedor da compreensão que nos deve merecer o modo como cada autor constrói o seu mundo-fenómeno. A semelhança do representado não deve apagar a singularidade do processo de representação. O plagiador, para uma perspectiva que apague o dizer pela enfatização do dito, seria aquele imitador cuja obra não seria uma autêntica representação (capaz de remeter para o mundo - mantendo-se na sua alteridade como possibilidade de uma realidade nova) mas sim uma imitação em que o que ficaria patente não seria o mundo mas o gesto imitador'.
URI: http://hdl.handle.net/10174/11017
Type: doctoralThesis
Appears in Collections:BIB - Formação Avançada - Teses de Doutoramento

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